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Caracterização eco-geográfica do Algarve!

“(…)
Mas, passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros. Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa!
A brancura dos corpos e das almas, a limpeza das casas e das ruas, e a harmonia dos seres e da paisagem lavam-me da fuligem que se me agarrou aos ossos e clarificam as courelas encardidas que trago no coração.
No fundo, e à semelhança dos nossos primeiros reis, que se intitulavam senhores de Portugal e dos Algarves, separando sabiamente nos seus títulos o que era centrípeto do que era centrífugo no todo da Nação, não me vejo verdadeiramente dentro da pátria.
Também me não vejo fora dela. Julgo-me numa espécie de limbo da imaginação, onde tudo é fácil, belo e primaveril.
A terra não hostiliza os pés, o mar não cansa os ouvidos, o frio não entorpece os membros, e os frutos são doces e sempre à altura da mão.
Os caminhos não têm abismos, não há fragas estéreis e agressivas, não se vê outra neve a não ser a das corolas abertas, e as fainas do mar são tão lúdicas como as da terra (…)”

In Portugal.
Miguel Torga, 1950

O Algarve constitui uma unidade geográfica bem individualizada no território português, ocupando a faixa mais meridional do país e exibindo uma delimitação administrativa que se adequa às fronteiras naturais: a norte um sistema montanhoso, a oeste e a sul o mar, a leste o Guadiana a desenhar a fronteira com Espanha.

A serra algarvia, difícil de transpor até à construção da estrada IC 1 nos anos 70, parece ter sido decisiva para o isolamento da região em relação ao restante território nacional. Esta barreira natural não só abriga o Algarve das influências setentrionais acentuando as características mediterrânicas da região, como favoreceu no decorrer da história o desenvolvimento de uma identidade regional tão particular quanto rica.

Uma identidade reconhecida pelos sucessivos monarcas do reino que mantiveram a designação “Rei de Portugal e dos Algarves” até à implantação da República no início do século XX.

Historicamente, as ligações do litoral algarvio com o mundo mediterrânico foram quase sempre preferenciais; o desenho da geografia costeira favoreceu as relações com as populações do Mediterrâneo, bem evidentes a partir do primeiro milénio a.C., tendo os portos de Castro Marim, Tavira, Faro, Silves, Lagos e Aljezur estabelecido contactos regulares com mercadores fenícios, gregos, tartéssicos e púnicos.

Para Orlando Ribeiro* o Algarve é a última riviera mediterrânica, constituindo uma unidade com a Andaluzia e o Norte de África (a ocidente do estreito de Gibraltar), a que chama território pré-mediterrâneo.

Também os cinco séculos de presença árabe, entre os séculos VIII e XIII, influenciaram profundamente a região, acentuando a sua ligação às culturas da bacia mediterrânica.

A herança árabe no Algarve perdura até hoje, desde logo pelo seu próprio nome, Al-Gharb – O Ocidente, e é bem visível na arquitetura dos monumentos e do casario, nas açoteias que substituem os telhados, no cubismo dos edifícios ou nas chaminés criativas.

A cultura árabe subsiste nas práticas e técnicas agrícolas, nos engenhos de água como as noras, as levadas, os açudes e os pomares de frutas onde crescem espécies introduzidas ou difundidas pelos mouros como a alfarrobeira, a amendoeira e a figueira.

No âmbito da ecologia nacional a região algarvia individualiza-se do restante território português, desde logo pela multiplicidade de microclimas e territórios geológicos, o que se traduz em elevada diversidade geomorfológica e biológica concentrada numa área de modesta dimensão (pouco mais de 540.000 hectares).

A história biogeográfica deste território evoca ligações às nebulosas ilhas atlânticas, ao quente Maghreb, à luminosa Andaluzia e ao interior do continente europeu. Inúmeras espécies da flora algarvia testemunham hoje esses laços antigos; outros são recriados todos os anos nos movimentos migratórios das aves
e de animais marinhos como as tartarugas ou os atuns.

O clima no Algarve é marcadamente mediterrânico, reforçado pela barreira serrana a norte, havendo porém variabilidade climática em função da influência atlântica e da altitude. O território é simultaneamente invadido por massas de ar marítimo de sudoeste, protegido dos maiores rigores do vento norte e exposto ao Levante (ou Suão), um vento quente e seco que sopra de leste no Mediterrâneo.

Os invernos tendem a ser amenos e húmidos e os verãos longos, quentes e secos. O barlavento (setor ocidental do Algarve, ou o local de onde sopra o vento) torna-se mais ameno, influenciado pela ação reguladora do Atlântico, enquanto que o sotavento (setor oriental do Algarve, o local para onde sopra o vento) é mais árido e quente.

A complementaridade entre Serra, Barrocal e Litoral, três grandes áreas naturais fisionomicamente distintas que se sucedem de norte para sul, contribuíram para identidade e unidade da região algarvia.

Isoladamente, estas áreas exibem caraterísticas geográficas, geomorfológicas e biológicas muito expressivas:

Litoral – Faixa costeira com altitude máxima de 157 m na Costa Vicentina (Torre de Aspa), inclui três territórios distintos: a oeste o território do Planalto Vicentino, essencialmente silicioso (constituído por areias e xistos) e com clima sub-húmido;
o Promontório Vicentino (Península de Sagres) talhado nos calcários rijos do barrocal algarvio, de tendência seca a semiárida e intensa exposição oceânica, inclui a única reserva biogenética do Algarve;  e a sul o território Algárvico, estreita planície sedimentar de tendência seca a sub-húmida, que se estende em franja até ao mar incluindo as arribas calcárias do barlavento e as areias do sotavento.

Barrocal – Situa-se na região central do Algarve, com altitudes até aos 300 m. Assente sobre um maciço calcário e encaixado entre serra e litoral, tem clima seco a sub-húmido e exibe uma sucessão de colinas que se estendem do cabo de S. Vicente a Castro Marim. A rica e diversificada flora mediterrânica adquire
aqui a sua melhor expressão, sendo também comuns os pomares de sequeiro, uma paisagem agrícola de inspiração árabe.

Serra – Trata-se de um sistema montanhoso composto por três relevos fundamentais, Espinhaço de Cão (297 m), Monchique (902 m de altitude na Foia) e Caldeirão (589 m de altitude em Pelados), onde se verifica grande variabilidade climática (tendência sub-húmida a húmida no setor ocidental e seca continental na bacia do Guadiana).

A Serra estende-se longitudinalmente ao longo da extrema norte do Algarve e pertence ao Maciço Antigo, uma grande unidade estrutural que ocupa o centro
da Península Ibérica. O território serrano é constituído por terrenos xistosos, pobres em matéria orgânica e com baixa diversidade florística.

Em Monchique, o afloramento de sienitos, a presença de solos ricos e a disponibilidade de água, são fatores diferenciadores da área no contexto regional. Outrora o território estaria ocupado por bosques de árvores de pequeno porte e casca grossa, sobretudo carvalhos: o sobreiro, o carrasco, a azinheira, e mais raramente o carvalho-português.

Os matos são agora o coberto dominante e incluem arbustos esclerófilos e plantas aromáticas e melíferas, exibindo alguns elementos florísticos originais no contexto nacional, como a palmeira-anã ou a alfarrobeira.

Estas são espécies bem adaptadas à secura do meio, exibindo folhas espessas e pequenas, por vezes transformadas em espinhos e agulhas, ou protegidas por pelos, resinas e óleos aromáticos. A maioria das árvores é de folha persistente, à exceção de algumas espécies associadas às margens dos cursos de água, como o freixo ou o salgueiro.

A fauna é muito variada e bem adaptada às condições ambientais e alguns elementos são particularmente interessantes em resultado da localização geográfica e condições ambientais. Aqui encontram-se animais representativos da península ibérica como o coelho-bravo, a pega-azul, ou o lagarto e outros que facilmente associamos à atual fauna africana como o camaleão, a geneta ou o sacarrabos.

À semelhança da vegetação, os animais apresentam as suas defesas para sobreviver no longo e seco verão. Grande número de aves aquáticas voa para maiores latitudes antes da época estival. Outros adotam as mais variadas estratégias, diminuindo a sua atividade diurna, no caso da maioria dos vertebrados carnívoros, ou até entrando num período de estivação como acontece com os cágados.

Este é também um território com potencial para voltar a sustentar alguns dos elementos faunísticos mais notáveis da fauna ibérica os quais, com o esforço recente de valorização ambiental do território, podem vir a recuperar o seu habitat original. É o caso da águia-imperial, da águia-pesqueira ou do lince-ibérico

in: Guia de Turismo da Natureza do Algarve
* Geógrafo e historiador português (1911-1997)




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